top of page

As notícias em PAUTA:

Principais Notícias

Destaque

A UNIVERSIDADE PÚBLICA BRASILEIRA PRECISA SER PAGA?

Solução se baseia em um diagnóstico ultrapassado. Inúmeros processos fizeram com que o ensino superior se democratizasse nos últimos 20 anos

De tempos em tempos, a cobrança de mensalidades nas universidades públicas retorna à ordem do dia. A recorrência da proposta sugere que ela não expressa apenas oportunismos ocasionais, mas uma visão arraigada do sistema educacional brasileiro.


De fato, a educação superior brasileira foi historicamente uma máquina de produção de desigualdades de renda. Até recentemente, as faculdades privadas sobreviviam das mensalidades pagas por estudantes oriundos das camadas mais pobres da população e de um ensino básico público deficiente. Paralelamente, os estudantes das famílias mais abastadas, que podiam pagar um ensino básico privado, eram premiados com vagas em universidades públicas, gratuitas e de qualidade superior.


Nesse sistema, o dinheiro dos contribuintes, em sua maioria pobres, era revertido para beneficiar as classes mais altas. Nada mais justo, então, do que exigir dos premiados no vestibular alguma contribuição, sobretudo se esse recurso fosse revertido em favor dos estudantes mais desfavorecidos. Contudo, essa solução se baseia num diagnóstico ultrapassado. Inúmeros processos fizeram com que o ensino superior se democratizasse nos últimos 20 anos, tornando a cobrança de mensalidades não apenas desnecessária como perigosa.


Em primeiro lugar, o sistema público viveu uma considerável expansão. Entre 2000 e 2015, suas matrículas mais do que dobraram, pulando de cerca de 880 mil para 1,8 milhões. Ao mesmo tempo, houve um processo de interiorização que desconcentrou as instituições dos grandes centros urbanos.


Mas foram as ações afirmativas que mais contribuíram para a diversificação socioeconômica dos campus. Embora as cotas raciais chamem mais a atenção do debate público, nossa legislação foca prioritariamente em cotas socioeconômicas. De acordo com a lei federal, metade de todas as vagas de graduação são reservadas para estudantes de escolas públicas. Dentro dessas, ainda incidem subcotas para estudantes de baixa renda e, só depois, para pretos, pardos e indígenas, e pessoas com deficiência.


A recorrência da proposta de cobrança de mensalidades nas universidades públicas sugere que ela não expressa apenas oportunismos ocasionais, mas uma visão arraigada do sistema educacional brasileiro


Tudo isso mudou a composição das instituições públicas. Se dividirmos a população brasileira em cinco faixas de renda, veremos que o quinto mais rico ocupava 55% do ensino superior público em 2001. Esse percentual caiu para 23% em 2020, segundo dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios). No mesmo período, o percentual de estudantes com renda do quinto mais pobre da população aumentou cinco vezes.


Mesmo assim, os defensores mais aguerridos da cobrança de mensalidades podem argumentar que elas ainda se justificam se ficarem restritas aos estudantes mais ricos. No entanto, as experiências internacionais colocam em xeque esta tese.


Mesmo nos Estados Unidos, onde as mensalidades são comuns, os recursos estatais respondem por um terço do financiamento do ensino superior. O restante dos custos são cobertos por doações privadas, incentivadas por leis de renúncia fiscal, e pelas operações no mercado. As taxas pagas pelos alunos respondem por apenas 20% do orçamento total do sistema.


Ainda assim, essas taxas escolares vivem um inflacionamento exponencial, o que fez com que os empréstimos estudantis se tornassem a segunda maior dívida interna estadunidense, atrás apenas das hipotecas imobiliárias. Não é gratuito que uma das propostas do governo Biden seja o perdão dessas dívidas.


Ademais, os projetos que criam mensalidades raramente explicam como funcionaria o sistema. Se as taxas pagas a uma instituição ficarem apenas com ela, as desigualdades regionais tenderiam a aumentar, com as universidades do Sul e Sudeste ficando ainda mais ricas e as do Norte e Nordeste, mais pobres. Caso as mensalidades fossem depositadas num fundo comum, como se daria a divisão dos recursos? Não seria mais eficiente taxar os mais abastados para financiar esse e outros gastos?


De modo silencioso, a universidade pública brasileira se transformou. As políticas de cotas serviram não apenas para democratizá-la, mas também para justificar a sua própria existência. Num momento de estagnação do sistema, a cobrança de mensalidades serve mais ao seu sucateamento e menos à sua manutenção.


barra do piraí.jpg

Barra do Piraí

Em Pauta

bottom of page